Recentemente, tenho visto algumas pessoas ou mesmo empresas usarem a seguinte frase: “In God we trust, all others bring data” ou em português “Confiamos em Deus, todos os outros devem trazer dados”.
Mas, o que eu não tenho visto na mesma frequência, infelizmente, são os créditos para o autor.
William Edwards Deming, reconhecido mundialmente pelas contribuições na melhoria dos processos fabris dos EUA durante a WWII e também na reconstrução do Japão pós-guerra é o autor. Suas ideias viriam a se consolidar na disciplina hoje chamada de Gestão da Qualidade na Administração de Empresas.
Deming acreditava que, para uma empresa adquirir superioridade de eficiência em produção, deveria buscar nos dados um maior conhecimento do que se passava no processo produtivo.
Pois bem.
Toda essa discussão sobre o uso dos dados no marketing, e até mesmo o uso de conceitos, pra não falar até de apropriação em si, me fez refletir se realmente estamos sendo sóbrios no debate. O famigerado Data Driven Marketing.
Uma de minhas preocupações em relação ao debate reside no tom de certos discursos. Parece que os dados tem capacidade de tomar decisões por si só, algum tipo de inteligência artificial autoadquirida. E não é bem assim.
Os dados não são tomadores de decisão, eles são matéria-prima para um processo complexo de tratamento e extração de insights, que, novamente, não é tão objetivo quanto é falado por aí. Até onde consta, ainda, são pessoas tomando decisões, por isso, acredito que um bom analista navega em dois oceanos:
1) O oceano da Análise Técnica, onde é preciso dominar ferramentas, programação, a estrutura, a web e aplicações, os principais problemas de coleta, as formas de síntese dos dados, seja por meio de relatórios e visualizações avançadas.
2) O oceano da Análise Organizacional, onde o importante são os tomadores de decisão, desde os HIPPOs àqueles que também tem pelo menos um pitaco de peso. E claro, a capacidade de execução daquela empresa, afinal, sugestões tiradas da análise devem virar mudanças e, quando bem feitas, resultados.
Dito isso, vamos falar sobre escolha de métricas.
Como escolher boas métricas
Na minha opinião, todo processo de Marketing deveria começar por aqui. Em minha série Analytics Tips, onde tenho publicado dicas de Analytics, comentei dois conceitos que eu acho fundamentais para quem está começando alguma estratégia de Marketing Digital ou até quem já tem alguma mas quer dar uma geral na casa.
A única métrica que importa
Toda essa disponibilidade de dados trouxe recursos, mas também bastante confusão sobre o que é importante. A chamada síndrome do painel de avião, ou seja, o gestor fica tão preocupado em acompanhar muitos números que se perde nos objetivos reais do negócio.
E aí, surge uma pergunta no ar: Se te fosse dada a opção de escolher apenas um número para direcionar seu trabalho de marketing digital, qual seria esse número?
Inspirados pelo movimento Lean, Alistair Croll e Benjamin Yoskovitz, no livro Lean Analytics, chamam ele de a Única Métrica que Importa (ou The Only Metric That Matters). Mas, por que ter apenas um número se podemos ter vários?
A Única Métrica Que Importa (UMQI) cria um senso de união em torno de um objetivo comum, um foco. Quando temos várias métricas, podemos ficar confusos ou até mesmo numa queda de braço entre as equipes responsáveis por otimizar A ou B. E você sabe, isso ocorre bastante!
Mas quando temos um número principal, ele passa a ser o centro gravitacional da estratégia de marketing digital. Não importa se o site tem 100.000 visitantes únicos ou a taxa de rejeição está uma maravilha. Se a UMQI não estiver bem, isso significa que o negócio não vai bem e aí temos um problema.
Importante: A UMQI não é permanente, ela muda de acordo com o estágio do negócio. Por exemplo, o Slack definiu nos seus estágios iniciais que um usuário ativo era aquele que entrava e interagia todo dia com o software, e usou como UMQI o número de usuários ativos diariamente. Isso permitiu a eles focarem no desenvolvimento de features que criassem hábitos de uso e conseguissem um crescimento espantoso.
Note uma coisa: não é um objetivo financeiro óbvio, como: aumentar o faturamento, mas um objetivo de negócio fortemente ligado a isso, ou seja, uma estratégia para chegar lá. No caso do Slack, quanto mais pessoas usando a ferramenta, maior o valor dela de mercado. E deu no que deu, você como eu deve ser um usuário do Slack ativo, ou ao menos já ter sido.
Plano de mensuração
O Plano de Mensuração é outro instrumento poderoso. Se você não se sente confortável em trabalhar apenas com uma métrica, essa é a prescrição ideal para você.
Ele começa com a definição de **Objetivos de Negócio**, ou seja, ele responde:
Como o meu site (e/ou app), contribui para a estratégia geral da minha empresa?
Você precisa, de fato, se perguntar:
Por que raios eu tenho um site/app?
A resposta deve vir na forma de objetivos. E objetivos bons são: 1) executáveis, 2) de fácil compreensão, 3) gerenciáveis e 4) benéficos para o negócio.
Por exemplo, se você é o Nubank, você pode querer:
- Aumentar novos pedidos de cartão
Afinal, essa é a forma como entram novos clientes para a base, certo? Mas nós sabemos que uma estratégia bem construída vai além do óbvio. Essa com certeza é a métrica de performance mais importante. Mas, como chegamos lá com outros objetivos? Você pode querer, por exemplo:
- Aumentar o boca a boca através de um atendimento de primeira
Note que o objetivo começa com um “aumentar”. Poderia ser um “reduzir”, se fosse uma métrica negativa. Essas palavrinhas tem a ver com uma palavra também muito utilizada e que vem da matemática: Otimização.
Com 3 a 5 objetivos, você já está bem calçado. Não exagere.
Agora, chegou a hora de definir os KPIs (Key Performance Indicators, ou Indicadores-Chave de Performance).
Muita gente confunde KPI com métricas. Métrica é um número, um valor quantitativo e pode ser sobre quase tudo. KPI é uma métrica que passou por todas as fases e chegou no chefão. Ela é tão importante que merece um destaque especial. Já ouvi gente falando “principais KPIs”. Isso _non ecziste_,. Não existe KPI secundária.
Vamos supor o objetivo #2, citado acima. Uma boa KPI pra ele seria: quantidade de citações positivas sobre a marca nas mídias sociais (captado com uma boa ferramenta de monitoramento e classificação, manual ou por meio de inteligência artificial).
Pro objetivo #1, então, é fácil demais: número de novos pedidos de cartão.
Agora que você tem as KPIs principais (opa, desculpa), você define métricas periféricas, ou seja, outros números relacionados para te ajudar na análise.
Por fim, o último ingrediente do bolo são os segmentos. Segmentos são recortes de análise. Por exemplo, você pode querer saber a faixa etária da pessoas que estão pedindo novos cartões, pois sua estratégia tem a ver com atingir jovens (ou não).
É importante lembrar que, um Plano de Mensuração deve focar em 3 aspectos fundamentais para o sucesso do marketing digital:
Aquisição: Como o tráfego para o seu site é gerado? Como estamos criando fontes contínuas, baratas e efetivas de visitas?
Comportamento: Qual comportamento você espera assim que as pessoas começarem a chegar no seu site? Que páginas elas devem passar? Que ações elas devem realizar? Como você melhora a sensação de tarefa concluída para o usuário?
Resultados: O que seu site entrega pro seu negócio? Uma venda? Um contato para uma possível venda (lead)? Uma ligação?
Outra dica fundamental: esqueça sobre o seu site na hora de fazer os objetivos. Apenas pense sobre o que você está fazendo e porque está fazendo. Eu preciso de um site? Por quê? Esse ceticismo vai te ajudar a entender seu objetivo na Internet, evitando o caminho natural que é o de olhar pro lado e fazer igual aos outros players.
Nesse post, não vou detalhar tanto, mas, se quiser uma boa ideia, nada melhor que consultar esse vídeo da Academia do Google Analytics.
Com ele pronto, você pode começar a falar de dashboard, relatórios e processo analítico.
E agora, José?
Usando essas duas ferramentas que falei, ou apenas uma delas: A Única Métrica que Importa e/ou Plano de Mensuração, você começa a desviar sua preocupação de coisas secundárias no Analytics e começa a entender como um processo mais amplo.
Agora, talvez seja um dos momentos mais difíceis para a maioria dos gestores de marketing digital: manter o planejamento. Com tantos blogs, materiais, hacks etc, é comum estarmos revendo tudo a todo momento, muitas vezes nem dando tempo para as ideias darem certo ou errado.
Uma dica que eu dou é: mantenha seu Plano de Mensuração e/ou UMQI por perto. Sempre que alguém da equipe levantar alguma bola, é importante relembrar os objetivos de negócio definidos e pra qual métricas você trabalha, caso contrário, a chance de desviar de caminho e acabar parando muito longe do destino planejado é muito grande.
Aproveite a viagem.